Reconvexo como o Brasil do Cacau: quando música e chocolate se encontram na alma de um país

 


Recentemente recebi um convite da Rádio gaúcha, a FM Cultura na 107.7, para participar do programa Agora é que são elas — um espaço lindo, onde mulheres compartilham suas histórias e paixões musicais. Fui convidada a me apresentar e, claro, a escolher uma música e uma cantora que admiro para dividir com os ouvintes. Imediatamente me veio à mente Maria Bethânia. Voz potente, intensa, ancestral. Uma artista que nos atravessa  — com potência, com poesia, com a alma. Uma artista que carrega em si a potência do tempo, da terra e do sagrado.


Escolhi “Reconvexo”, de Caetano Veloso, eternizada na voz visceral de Maria Bethânia, por tudo que essa canção representa: um manifesto potente de identidade cultural, de fé, do feminino, de pluralidade, de emoções, de Bahia e de Brasil. É um hino que celebra o sincretismo, a ancestralidade e a liberdade de ser múltiplo — tal como o cacau, que nasce de tantos encontros e carrega em si o sabor da nossa terra.


“Reconvexo” é um neologismo criado por Caetano Veloso que carrega, em si, a força de uma imagem e de um posicionamento. Ao unir o prefixo “re-” (de retorno, repetição, intensificação) à palavra “convexo” (aquilo que se curva para fora, que se projeta), Caetano constrói uma expressão que foge ao reto, ao plano, ao domesticado. Na canção, eternizada na voz potente de Maria Bethânia, “Reconvexo” torna-se um manifesto: de identidade, de liberdade criativa, de brasilidade. É uma afirmação de tudo aquilo que se ergue com forma própria, que não se encaixa em moldes, que celebra a mistura, o excesso, a ancestralidade. Ao se declarar “reconvexo”, o artista se posiciona como alguém que reivindica a curvatura múltipla da cultura afro-baiana, nordestina, brasileira — intensa, orgulhosa, forte. 


Sim, há um Brasil reconvexo nos sons e nos sabores que encontro em cada região produtora de cacau. E a analogia entre essa canção e minha jornada é inevitável — e linda.





 "Eu sou do mundo, eu sou Minas Gerais / Eu sou do Pelô"


Assim como a canção se declara múltipla e pertencente a muitos lugares, eu sigo minha expedição entendendo que o cacau e o chocolate do Brasil também têm essa identidade ampla. Da Bahia ao Pará, de Rondônia ao Espírito Santo, do Sul da Bahia a Minas Gerais — cada terroir expressa um Brasil distinto. Mas juntos, todos contam uma mesma história: a de um país que se revela por suas raízes, sua terra e sua gente.



 "Eu sou a maré cheia / Eu sou a maré baixa / Eu sou o canto da sereia"


Esses versos me tocam profundamente. Eles falam de fluxo, de sensibilidade, de força que vem das águas — como o cacau que nasce em sistemas agroflorestais onde a natureza fala alto. Falam também do encantamento que o chocolate brasileiro provoca: na textura, no brilho, no aroma. Como o canto da sereia, ele nos envolve, nos arrasta para dentro de sua história. E minha missão é contar essa história.



 "Eu sou a filha de Xangô / Eu sou de Oyá / Eu sou a mãe d’água"


Aqui, Bethânia canta as forças ancestrais do povo brasileiro — e eu lembro das mulheres e homens que conheci nas comunidades, nas fazendas de cacau, nas pequenas fábricas bean to bar. Suas práticas, suas crenças, seus saberes — tudo ali é cultura viva, resistência e tradição. Tudo ali é o Brasil profundo que sustenta a arte do cacau ao chocolate.



 "Eu sou a neta de Carmen Miranda / Eu sou a tal baiana de saia engomada"

Minha Expedição é também um palco. Onde o chocolate brasileiro sobe ao centro da cena como expressão artística, gastronômica e cultural. Cada evento que realizo, cada degustação guiada, cada palestra é um convite à brasilidade, à performance dos sentidos, ao afeto em forma de cacau. Assim como Carmen Miranda levou o Brasil para o mundo com graça, eu sigo apresentando nossos chocolates como um gesto de orgulho e beleza.



E ontem foi ouvindo Reconvexo que me dei conta, mais uma vez, que a Expedição Cacau e Chocolate do Brasil é também um exercício de escuta — de vozes, de ritmos, de histórias. A cada novo destino, eu pergunto aos meus anfitriões: “O que vocês gostam de ouvir?” E assim vou montando minha playlist da Expedição no Spotify — um apanhado afetivo de sons brasileiros que me acompanham entre um chocolate e outro. Convido você a ouvir também. Está lá, aberta, para te levar junto nessa viagem.






Para fechar, deixo aqui uma certeza:

O cacau e o chocolate do Brasil me apresentam, com frequência, um Brasil que eu ainda não conhecia. Um Brasil onde sons, gostos, cores e palavras se entrelaçam em formas novas e reconexas. Um Brasil reconvexo. E esse texto é, mais que um relato, um convite: venha explorar comigo o que há de mais plural, profundo e potente nessa terra chamada cacau.


Ah sim, e não poderia deixar de agradecer à Maria Bethânia e Caetano Veloso por esta música impressionante!


Ouça a playlist da Expedição: Playlist Expedição Cacau e Chocolate do Brasil
Siga a Expedição no Instagram: @chocolatenobrasil



Vamos juntos descobrir mais desse Brasil de cacau e de chocolate.

Com afeto e brasilidade,


Juliana Recuero Ustra
Expedição Cacau e Chocolate do Brasil

em 31/05/2025

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